segunda-feira, 3 de maio de 2010

A ordem dos silêncios

silencio

Nos diversos estudos que fez sobre a sociedade, Michel Foucault delineou vários aspectos que permeiam o jogo do poder, sobretudo, nas suas relações discursivas. Entretanto, mesmo amantes da obra de Foucault, costumam ter uma visão rasteira e nada sutil do seu pensamento, acreditando que o poder se exerce apenas no plano dos discursos propriamente ditos, quando, pelo contrário, para Foucault, a sutileza do poder está muito mais em organizar os silêncios em torno deles.

Nesse sentido, a promessa de uma democracia como uma sociedade onde se pode dizer tudo a qualquer custo e a todo o momento, mostra-se uma ilusão. Continuamente está em operação a máquina de produção das verdades, e obviamente, de ocultação de verdades inconvenientes. No primeiro volume da “História da Sexualidade”, intitulado “A vontade de Saber”, Foucault nos expõe o objetivo de seu estudo: “Trata-se, em suma, de interrogar o caso de uma sociedade que desde há mais de um século se fustiga ruidosamente por sua hipocrisia, fala prolixamente de seu próprio silêncio, obstina-se em detalhar o que não diz, denuncia os poderes que exerce e promete liberar- se das leis que a fazem funcionar”.

Sem querer adentrar no mérito da questão, a lei de anistia, tão prolatada nos últimos dias, me parece ser um caso bastante ilustrativo dessa situação. O Supremo Tribunal Federal rejeitou ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil que pedia revisão na lei, aprovada há 30 anos e que concede o “esquecimento” dos crimes cometidos durante o regime militar. Evidencia-se nesse caso que é bem mais conveniente deixar enterrados nos porões da ditadura todos os segredos e mistérios idos, do que abrir o baú do tempo para que escapem verdades históricas. Até mesmo porque, nesse caso, muitas personagens envolvidas alcançaram o poder.

Hoje em dia, todas as instituições de poder aparelham-se de poderosas assessorias de comunicação, gastam fortunas de seus orçamentos contratando gente especializada não somente em dar visibilidade às suas ações positivas, mas, sobretudo, em ocultar determinados ângulos dos fatos. Para os que não são da área da comunicação, cito como exemplo um requisito indispensável da quase totalidade das vagas de emprego na área: “bom relacionamento com a mídia”. É claro que relacionar-se bem com os diversos públicos que compõe o seu dia-a-dia é indispensável, no entanto, nesse caso, “bom relacionamento com a mídia”, significa, em situações difíceis, poder pedir para não publicar determinado caso, ou para mostrá-lo sobre determinado ângulo. Enfim, paradoxalmente, muitas vezes o trabalho da assessoria de comunicação consiste muito mais em organizar o silêncio.

Não só no caso da lei de anistia, como em diversos outros que minha fraca memória não me permite recordar, o trabalho do judiciário também foi exatamente este: deixar como está. Afinal, a quem mais interessaria, senão a meia dúzia de famílias miseráveis, revirar a história recente do Brasil? Quanto a nós, pacatos cidadãos que não temos a nada a ver com isso, fica a ressalva: às vezes é mais importante ouvir o silêncios, obviamente se nos interessarmos por verdades.

J. Dannieslei

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