O falso libertar
Se é que ela existe, gostaria de, ao menos essa semana, utilizar a minha liberdade poética. Portanto, me sinto desobrigado com as correções gramaticais, com as lógicas de raciocínio, com a pertinácia do tema e outras baboseiras mais. Tanto assim o é que já eu meti nesse texto um portanto sem nada concluir. Em outras épocas estaria ainda me preocupando com os entretantos, contudos e todavias.
Estou com Foucault na cabeça: “vários como eu, sem dúvida, escrevem para não ter mais rosto. Não me perguntem quem sou e não me digam para permanecer o mesmo. É uma moral do estado civil, ela rege nossos papéis. Que nos deixe livres quando se trata de escrever”.
Não leio mais Foucault. Não leio Nietzsche, não leio Fernando Pessoa e tampouco Dostoievski. Não é que tenha parado de admirá-los, não é que suas obras tenham diminuído suas respectivas relevâncias em minha vida, mas é que, ultimamente, o que eu sempre mais temi, assumiu o seu espaço em minha vida. Tomou-me de supetão, não sem antes mostrar os seus sinais malévolos, mas enfim, fui absorvido pelo cotidiano. Rendi-me à mesquinharia da vida burocrática. Assumi de fato e de direito a minha condição de funcionário público, cumpridor de papéis, de horários, de agendas, e perdi, não sem luta, a minha capacidade de me rebelar. Não sou livre. Sinto-me hoje “o ex-mágico da taberna minhota”, magistralmente pintado por Murilo Rubião.
Na verdade, é fim de noite e estou sem assunto. Ou talvez seja apenas inércia, preguiça de sair de mim e deslocar-me aos lugares onde vivem os assuntos que merecem uma crônica. Cheguei até a pensar em algumas possibilidades. Poderia escrever sobre Isabella Nardoni, sobre o PAC 2, sobre o aniversário de instalação do regime militar no Brasil, ocorrido em 31 de março de 1964, ou talvez, sobre a agradável conversa, melhor que o sexo, que mantive hoje com uma prostituta. De fato, são muitos os assuntos, mas quero me abster de refletir sobre eles. Cada reflexão que faço inexoravelmente me conduz à busca de um sentido e, honestamente, estou farto de buscar sentidos para as coisas e para os seres e para os fatos e para os acontecimentos. Não sei se é apenas pessimismo meu, instintivamente natural, mas o fato é que não consigo ver sentido em nada. O pai que joga a filha do apartamento, a existência ou não de um Deus, a discussão que tive hoje com um colega de trabalho me advertindo que sem um mensalão é impossível governar o meu país, os regimes de exceção, os homens-bomba no metrô de Moscou, os poemas de Paulo Leminski, a filosofia da existência, a náusea de Jean-Paul Sartre, etc.
Não foi em “A Náusea”, mas na “Idade da Razão”, que Sartre me disse uma vez que “não se é homem enquanto não se encontra alguma coisa pela qual se está disposto a morrer”. Ainda não sou homem, não estou disposto a morrer por nada, mas pelo contrário, gostaria ao menos de viver por alguma coisa. Mas me parece que a minha época é uma época de grandes causas e de tão pouco comprometimento. Às vezes sinto uma vontade irreprimível de sair às ruas, gritando feito um louco em prol do meio ambiente, pelo fim da corrupção, pela distribuição igualitária da renda, pelo fim da crise no oriente médio, por uma educação de qualidade, mas aí, contenho-me, recolho-me, e então vejo o quão grande é a minha solidão. Para cada pessoa que olho, vejo apenas o reflexo de mim mesmo. Pessoas preocupadas com os seus horários, com a sua agenda, com as tarefas que tem a cumprir, com a pensão alimentícia dos filhos pequenos, enfim preocupados com o peso do cotidiano. E então, eu me lembro de algo que um amigo me disse na nossa época de universitários. Alguns colegas questionavam-nos sobre o porquê de não nos envolvermos mais profundamente no movimento estudantil, e assim como os outros, participar dos apitaços, do seqüestro do reitor, da invasão do prédio para fazer uma residência universitária. Disse ele, “quem tem tempo pra fazer revolução, são aqueles que têm pai rico e não precisam trabalhar”. Discordei veementemente. Hoje vejo que ele tinha lá sua razão.
1 Comentário:
Além disso, em uma época tão vibrante e dinâmica, pautada fundamentalmente no desenvolvimento científico e tecnológico, não podemos mais nos eximirmos de discutir os avanços da ciência, seus impactos sobre cada um de nós e sobre a sociedade como um todo. Pesquisadores e professores, não podemos mais nos alienarmos da responsabilidade pelo conhecimento que produzimos e transferimos a todo momento.
10 de junho de 2010 às 11:18Postar um comentário
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