Redução da maioridade penal: sim
Que o Brasil, para amadurecer enquanto nação democrática e de direito, precisa se reformar em diversos setores, é fato. Precisa de uma reforma política, talvez a mais urgente, reforma administrativa, reforma tributária, reforma agrária, etc. A maior parte dessas reformas já tem projetos tramitando no congresso nacional há décadas, algumas delas já até se desenharam, implementando no nosso sistema algumas mudanças, no entanto, nada significativo. Mas o que eu quero tratar nesse espaço é um tema que, esporadicamente, quando acontece um fato muito relevante, toma conta dos jornais, incendeia os corações, aclama a opinião pública, provoca passeatas, protestos, mobilização de todas as entidades defensoras de direitos humanos...
Antes de dar prosseguimento, gostaria que entendessem como “fato relevante” a morte de um filho da classe média, o seqüestro de um artista, de um empresário, enfim, algo que aconteça com alguma personalidade. Sim, porque agora parece que a personalidade é atributo personalíssimo de determinadas castas. Refiro-me à mudança na lei 8.069 de 13 de julho de 1990, mais conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), principalmente no que se refere à maioridade penal.
Mês passado, o caso João Hélio Fernandes, aquele que foi arrastado, preso ao cinto de segurança do carro por vários quilômetros, voltou ao noticiário, tanto porque fez três anos do acontecimento, ocorrido em 07/02/2007, e também porque a justiça do Rio de Janeiro resolveu incluir o menor envolvido no crime no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), o que serviu não apenas como motivo de protesto de vários setores da sociedade, especialmente da família do garoto, bem como reacendeu o debate sobre a redução da maioridade penal.
Pela nossa legislação, quem comete um crime a partir dos 18 anos de idade é julgado de acordo com o código penal; os menores de dezoito e maiores de doze, são julgados de acordo com o ECA, e os menores de 12, são inimputáveis.
Além das faixas etárias supracitadas, outros pontos do Estatuto da Criança e do Adolescente são bastante controversos. Em primeiro lugar, não importa o delito, assassinato, furto, seqüestro, não existe menor criminoso, existe menor infrator. O segundo ponto é que eles não ficam em presídios, (o que é mais que compreensível. Afinal, misturar jovens infratores a criminosos gabaritados seria de uma irresponsabilidade dantesca), os jovens infratores ficam em casas de correção e ressocialização, ao menos teoricamente, já que, se nos permitirmos nos desfazer das hipocrisias, não corrigem e não ressocializam ninguém.
Um terceiro ponto é que não se pode exceder o tempo de permanência dos jovens nesses internatos por mais de três anos. Caso o menor atinja esse tempo, ele, compulsoriamente, vai pra rua, sem se falar ainda que, atingido os dezoito anos, não importa se o crime foi cometido aos dezessete anos e onze meses, ele sai pra recomeçar a sua vida, como se nunca, nada tivesse acontecido.
Atualmente as opiniões se dividem em três sentidos. Há os que defendem uma redução da maioridade penal, mas ainda de acordo com o Estatuto vigente. Há os que defendem uma mudança no Estatuto por considerá-lo muito brando. E há, ainda, aqueles que acham que não deve mudar nada; que mudar a lei, pura e simplesmente, não refletirá na diminuição da criminalidade juvenil.
Concordo que mudar a lei, pura e simplesmente, não resolverá nenhum problema, no entanto, as disposições do ECA, além de outros ingredientes sociais como a pobreza, a falta de educação adequada, o desemprego, tem sido um fator determinante para o ingresso de jovens na criminalidade. Muitos deles são recrutados por criminosos para cometer delitos, tendo em vista que não ficarão muito tempo presos. Nesse sentido, tendo em vista que o núcleo principal do estatuto (reeducar, ressocializar e reinserir o menor infrator ao convívio social harmônico) não se aperfeiçoa, o ECA tem servido apenas como a positivação da certeza da impunidade.
Por isso, embora estejamos longe de chegar a um consenso, eu me filio à corrente favorável à redução da maioridade penal, se para 16,14 ou 10, ainda não estou convencido, mas algo tem que mudar. Argumentar que uma pessoa, com os meios de acesso às informações disponíveis atualmente, não sabe se matar alguém é certo ou errado, por não ter “personalidade formada”, me parece um argumento que não só não se sustenta, como incorpora o cinismo, julgando todos os demais cidadãos pelo nível da imbecilidade.
4 Comentários:
Sou contra a redução da maioridade penal. Primeiro porque não é predendo jovens e menores infratores que a coisa vai melhorar. Segundo que os presídios brasileiros estão apinhados de presos, sem vagas e para prender mais gente, teria que ser construidas mais casas de detenção, consumindo mais dinheiro público. A falta de uma educação e oportunidade para jovens pobres, e até de classe média, aliada a corrupção das autoridades é a grande causa para esse grave problema social do Brasil. Abraço.
23 de março de 2010 às 17:06O nosso código penal dá muitas brechas ao infrator (também um código da década de 20), ou seja um marginal que com 17 anos cometar um crime de estupro seguido de morte após 1 anos estará quite com a justiça, acho isso um absurdo.
24 de março de 2010 às 08:43A partir do momento em que o adolescente tem a capacidade de bolar um plano num crime, manejar armas, fazer refém e ceifar vidas, não o vejo mais como um coitadinho como a justiça vê e sim como um terrível bandido a solta.
Ou será que os direitos humanos são apenas para os bandidos e não para a sociedade em geral, a qual é a maior vítima desse caos social em que vivemos.
Esse é, de fato, um tema controverso. Porque a simples redução da maioridade penal (com indicou o Dannieslei), desacompanhada de ações sócio-educativas para os detentos, em nada vai melhorar a questão da violência e, muito menos, a questão carcerária no país.
24 de março de 2010 às 12:31Não dá para pensar que uma incrementação da velha "política da coação isolada" irá funcionar no controle de atitudes criminosas. O crime não é só questão de dívida e pagamento, mas, sim, uma complexa relação social entre o que criamos como ordem e a sua manutenção no nosso cotidiano.
Crime sempre vai existir, não importa se vamos punir os menores a partir dos 14 ou dos 18 anos... Então, creio que a discussão não deva girar em torno da idade em que se poderá punir uma pessoa. Mas, sim, deve caminhar para encontrar soluções mais consistentes para o contexto que faz o jovem adentrar na criminalidade...
Artigo instigante JD. Tema polêmico... ;)
Embora ache necessário, eu até concordo que reduzir a maioridade penal não resolverá nenhum problema. No entanto, o que eu não me conformo é como esses assuntos são tratados, são postos em lei, sem respeitar um minimo de bom senso. Por exemplo, o jovem de 16 anos, tem "personalidade formada", já que este é o argumento utilizado, para votar, para ingressar no mercado de trabalho, ainda que como estagiario, mas em se tratando de questões penais, aí dizem que ele não tem consciência da ilicitude dos seus atos, convenhamos, é um absurdo.
24 de março de 2010 às 16:47Quanto ao comentário do Guilherme, realmente não é prendendo jovens e menores que a coisa vai melhorar, contudo, a partir do momento que esses jovens e menores se tornam criminosos, deixá-los à solta, também não me parece muito conveniente. O ideal seria que o utópico Estatuto da Criança e do Adolescente conseguisse cumprir a sua missão, reinserindo os jovens ao convivio social harmônico, mas infelizmente, não é o que acontece. O problema é que enquanto isso não acontece, a sociedade de maneira geral, fica refém dos nossos "guris". como diria Chco Buarque.
Abraços
J. Dannieslei
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