segunda-feira, 8 de março de 2010

O rio da consciência

beira do rio

Há muito tempo, em uma manhã cinzenta de inverno

Um homem despiu-se diante de um riacho e ateou fogo em suas vestes,

Permanecendo ali durante muitas horas daquele dia

A contemplar o seu rosto refletido na água.

De vez em quando atirava uma pedrinha no rio

Como se buscasse enxergar a formação de uma nova imagem.

Cada vez que seu reflexo ressurgia

Sentia seu coração pulsar com mais força.

Notou que havia algo encantador por trás de seu semblante triste.

Fixou pela primeira vez em seus próprios olhos,

Sentiu-se vivo e chorou.

Enxergou o que estava além da sua face...

Descobriu-se por dentro.

Uma sabedoria ignorada, subitamente, se aflorou.

Viu com os olhos do espírito toda a grandeza de seu Ser.

Ele não sabia exatamente como, mas,

Havia atingido um nível de entendimento que jamais imaginara experimentar.

Ele que era tão apegado aos títulos, às aparências, às convenções,

Compreendeu que é nas coisas mais simples da vida que a felicidade se esconde.

E que qualquer um pode garimpá-la.

Que o mais “miserável” dos homens pode sentir-se mais realizado que o mais nobre.

Toda a sua vida parecia ter sido vã.

Ele olhou para todo o trajeto percorrido

E encontrou um enorme vazio existencial.

Como poderia ter chegado até ali sem a lembrança de um sol se pondo?

Sem uma lágrima ou um sorriso pelos versos que escrevera?

Sem um abraço sincero de alguém a quem teria estendido a mão?

Não, ele nunca havia se permitido sentir a ternura de um entardecer,

Jamais compartilhara seus poemas com quem quer que fosse,

E não havia uma só ferida que a sua mão egoísta tivesse derramado um bálsamo.

Mas ainda havia tempo, ele estava vivo.

E sua alma com sede de viver.

Ele jogou mais uma pedrinha na água e novamente a sua imagem se formou

Seu rosto estava envolto numa luz suave e doce.

E seus olhos deixavam transbordar uma serenidade imperturbável.

Sua imagem então se ergueu das águas.

Alma e homem fundiram-se num abraço

E nunca mais se separaram.

O homem vestiu a alma com seu corpo,

Mas permaneceu nu, e sua nudez o aquecia.

Bernadete Barreto

Quer mais? Siga-nos no Twitter e acompanhe de perto o Incomode-se!

3 Comentários:

Henrique Oliveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Henrique Oliveira disse...

Esse processo de autodescoberta que tanto falamos parece simples, mas, na verdade, é tão difícil de se enxergar.
O nosso mundo nos esconde o contato com muitas belezas e, muitas vezes, uma vida não é suficiente para descobrirmos o que há "além"...

Texto deveras emocionante amor...

9 de março de 2010 às 11:32
Deth Barreto disse...

Concordo quando você diz que uma vida não é suficiente para descubrirmos o que há "além"...
Não é nada fácil despir-se e encarar a própria nudez sem se chocar. Os nossos olhos estão acostumados a ver o que resulta do acúmulo de experiências por nós vividas, os valores adquiridos(independente de sua natureza), comportamentos “copiados”, idéias desenvolvidas através do contato com o mundo à nossa volta. Mas romper as grades que nos são impostas, libertarmo-nos das superficialidades que nos fascinam e desbravar os caminhos que nos levam à essência do nosso próprio ser é tarefa das mais difíceis de ser realizadas, porque requer algo que a nossa condição humana ainda se esforça por alcançar: autoaceitação.

Beijo, amor.

9 de março de 2010 às 13:37

Postar um comentário

Caros leitores,

não serão admitidos comentários:

- Escrito em "miguxês"
- Com conteúdo ofensivo ou pornográfico.
- Com mensagens ou insinuações racistas
- Com assuntos estranhos ao discutido no post
- Com conteúdos publicitários ou de propaganda (SPAM)

E ATENÇÃO: Os comentários publicados são opiniões dos leitores. Não do Incomode-se.