O BOPE pode ser “bonzinho”?
Na nossa sociedade é bastante comum que a polícia, como representante direta do poder do coerção do Estado, crie uma mistura de sensações bastante peculiar na população como um todo: ao mesmo tempo em que se espera dessa organização uma sensação de segurança e proteção, cria-se uma espécie de “medo” contra o poder que nós mesmos investimos em tais agentes. Talvez, estejam na cabeceira da lista desses “medos” o receio de a ter a liberdade ou, mesmo, vida caçada pelas famigeradas sanções policiais.
Em comunidades onde há um nível de violência mais elevado, a polícia, em grande parte pelo seu próprio corrompimento, muitas vezes é mais temida do que qualquer outra coisa. A pesquisadora Jacqueline Muniz do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes no Rio de Janeiro, por exemplo tem uma opinião bem esclarecedora sobre o tema:
Ao longo de quase 160 anos da história das organizações policiais no Brasil estas organizações estiveram voltadas para a proteção do Estado contra a sociedade. Em outras palavras, desde que foram criadas, até mais ou menos a década de 1970, elas foram, por força de lei, forçadas a abandonar o seu lugar de polícia em favor de um outro lugar, que é de instrumento de imposição da ordem vinda do Estado. O fazer polícia significando defender o Estado contra o cidadão é algo que está bastante claro na farta documentação histórica, legal e formal existente. Assim, o processo de afastamento da polícia com relação a sociedade se dá desde a fundação das organizações policiais. A idéia que se tinha, e que vigorou por um bom tempo, é que as organizações policias deveriam se proteger de uma sociedade insurreta, rebelde e isso poderia contaminá-la ou poluí-la. Não foi apenas o processo de militarização recente da segurança pública que afastou a polícia da comunidade, como se costuma dizer, mas a disciplinarização da sociedade, o esforço de uma lógica liberal autoritária, tanto em relação a ela, como em relação as organizações policiais. Isso se refletiu na crise identitária das organizações policias hoje, no Brasil contemporâneo da redemocratização. As organizações policiais, basicamente as ofensivas, foram por força da lei abandonando o lugar de polícia, das atividades cotidianas e foram se dedicar a atividade de força combatente.
Fonte: Comciência
A polícia, como pudemos ver, sempre fez grande parte do seu trabalho através de práticas eminentemente impositivas. No interior do Estados liberais, as formas de controle sempre foram um quesito complicado, apesar de necessários. O que nasceu, então, para a defesa dos direitos sociais, políticos, civis, etc, gerou na população uma espécie de “oposição inconsciente” que, perigosamente, se aproxima da distância que o povo sempre teve da presença do exército nas ruas em momentos de guerra. Afinal, convenhamos, forças policiais apenas com veia combatente nunca foram muito populares em sociedades nas quais se prima pela manutenção de estado de “paz pela paz”.
Parece-nos até flagrante que a Instituição policial, que deveria nos defender de “nós mesmos” e do nossos “desvios criminosos”, está, a cada dia, mais imersa numa imagem que remete a medo e, paradoxalmente, á insegurança do que à sensação de proteção que tanto ouvimos em vários discursos por aí. As muitas práticas corruptas da polícia e a sua participação efetiva numa tática que usa muito da temida “política do terror” (onde vale a lei do “quem mata mais”) talvez tenha papel crucial nessa sensação que se abate sobre tantas pessoas atualmente. Quem, por exemplo, não já se sentiu acuado diante de uma blitz policial ostensiva e cheia de armamentos pesados? Quantos não já escutaram ou mesmo viveram de perto uma suposta truculência policial?
É quase como se isso já fosse até parte da essência da atuação policial. Afinal, é preciso do medo para uma real coação, não é?
Mas, vamos ao fato que nos levou a essa discussão: hoje, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro tentou mudar um pouco a visão de medo que a sua atuação deixou “marcada” em muitas comunidades carentes. O Batalhão foi convocado para “distribuir seis toneladas de peixes aos moradores do Morro da Providência, no centro do Rio de Janeiro. Os peixes, que foram apreendidos pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), estavam em um barco que não tinha licença para pesca de arrastão” (fonte: UOL). Vejam:
Vimos então que o BOPE, através dessa atitude, ainda parece tentar se “aproximar”, em algum momento, das populações nas quais ele atua diretamente. Porém, essa ação abre margem a uma pergunta – a qual deixarei ao ilustre leitor: O BOPE, como organização policial de espírito eminentemente de combate, pode ou, mesmo, tem condições de ser “bonzinho”?
Talvez, essa questão seja mais difícil de responder do que parece…
3 Comentários:
Leitores e autor, se o brasileiro tivesse pelo menos uma noção do real serviço da polícia, não escreveria coisas absurdas, ainda mais, quando o assunto diz respeito a boas ações. A função principal da polícia é servir e proteger.
1 de abril de 2010 às 23:30Ignorando o americanismo, mas concordando com ele, pode-se notar claramente uma discriminação quanto a este tipo de trabalho. Fazer o bem e ajudar não é só trabalho do BOpE, mas de todos, todos os seres humanos, por mais difícil que seja a sua missão. Nenhum policial sai de casa pensando em tirar a vida de alguém, mas isto é previsto, devido às necessidades e circunstâncias.
Prezados leitores e Sr. escritor,nos do BOPE ficamos extremamente satisfeitos em saber que nosso trabalho vem apresentando cada vez mais os resultados esperados.O BOPE,antes de mais nada é uma unidade integrante da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro,porém com uma tarefa bastante específica,ou melhor especial,e como tal precisa estar em constante processo de adaptação as demandas criminais existentes buscando consequentemente novos procedimentos,ou em nossa línguagem,novas táticas.O asuunto é longo,vasto e muito interessante,e como o própio autor menciona remonta um período de mais de 200 anos de constantes mudanças políticas e sociais.No entanto ,alguém tem sempre que dar um ponta pé inicial e ao que parece o BOPE faz parte deste time,cabe agora a grande torcida carioca unir esforços no sentido de garantir nossa vitória.
4 de abril de 2010 às 18:32" Se não agora ,quando.Se não nós ,quem?
Bem, o artigo tentou, antes de qualquer coisa, traçar um paralelo entre duas imagens que foram construídas junto da noção social de polícia: o medo (naturalmente oriundo do trabalho ostensivo das forças policiais) e a proteção (porque a própria população cobra a presença e a força da ação policial em inúmeros momentos)...
5 de abril de 2010 às 20:30Porém, o que acontece é que algumas ações da polícia beiram mais à "característica" do medo que à da proteção. E isso, muitas vezes, soa como uma espécie de requisito para a própria ação policial não se aproximar de ações de caridade como a que vimos acima...
Daí eu pergunto: em nossa sociedade fazer o bem é mesmo para todos? Ou será que algumas instituições devem preservar a sua "famas de más" ?
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