quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Nós e os nossos fuzilamentos

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Quase sempre me decepciono com os finais, mas pouco me importa, o que eu gosto mesmo nos romances é a maneira como eles se iniciam. Sou o tipo de leitor que se convence a seguir em frente na primeira frase. Caso ela não me cative, não desisto, mas vou adiante com a amarga impressão de que a caminhada será árdua.

Não li tantos livros quanto gostaria, tampouco, quanto deveria, mas até hoje, para mim, ninguém conseguiu começar um romance de maneira tão magistral quanto Gabriel Garcia Marquez em “Cem Anos de Solidão”. Volta e meia, distraído, pensando em nada ou em coisas desconexas, suas palavras me voltam à memória: “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía, havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”.

A beleza poética dessas palavras, ao primeiro olhar, tão singelas, me marcaram profundamente. A forma como o autor entrelaça o futuro, “muitos anos depois”, e o passado, “naquela tarde remota”, fazendo-os se confundirem no tempo presente, deixam a impressão de que é possível unir os dois extremos do tempo, numa lembrança que ainda nem chegou; ela só virá “muitos anos depois”. A cena por si só é muito marcante. Imaginem vocês, um coronel, diante de um pelotão de fuzilamento, assolado pelas lembranças de uma tarde e do gelo.

Sinto um prazer indescritível, quase orgástico, sempre que inicio a leitura de um romance. Muitos deles transformaram a minha vida. Embora saiba que existem aqueles que discordam, tenho a impressão de que fizeram de mim uma pessoa melhor. Lembro-me que morria de rir sempre que alguém me dizia chorar lendo livros. Isso até verter lágrimas copiosas com “Os Miseráveis” de Victor Hugo e as “Grandes Esperanças”, de Charles Dickens. Quantas vezes minha mãe não bateu desesperada à porta do meu quarto, achando que, após tantos sinais, eu estava finalmente enlouquecendo. Mas não. Eu estava apenas gargalhando sozinho, ou melhor, acompanhado pelo “Retrato de Doryan Gray”, do Oscar Wilde. Devo muito à literatura. A minha maneira de ver o mundo, de fantasiar a realidade e de realizar minhas abstrações.

Hoje um pouco menos, mas sempre fui um freqüentador assíduo de bibliotecas. Engraçado, nunca entrei em uma biblioteca sem esbarrar na frase de Monteiro Lobato, “um país se faz com homens e livros”. Também, nunca saí de uma biblioteca sem pensar em que país estamos fazendo. Não quero me apegar a números oficiais, estatísticas ou qualquer coisa do gênero, até mesmo porque sei que as nossas não são as melhores. Queria apenas desabafar a minha frustração, enquanto cidadão brasileiro, de como a educação de uma maneira geral e o estimulo à leitura, de maneira especifica, são tratados no nosso país. Tudo bem que faltam as tais políticas públicas, mas também, sinto que falta um interesse pessoal, individual, de cada um de nós, em extrair o que esse mundo mágico, para usar um jargão, nos oferece de melhor.

Enfim, disso tudo, para que esse texto não pareça apenas uma junção desmedida de palavras inócuas, desprovidas de sentido, gostaria de deixar uma reflexão. Gostaria que nos perguntássemos do que nos lembramos, quando nos vemos nós, diante dos pelotões de fuzilamento cotidianos. Confesso que tenho medo das respostas e por isso, mesmo correndo risco e talvez tendo até a certeza de que no final irei me frustrar, não me abstenho de começar.

J. Dannieslei

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1 Comentário:

Anônimo disse...

J esse livro (cem anos de solidão)também me prendeu do inicio ao fim.
Em frente aos meus pelotões lembro sempre dos conselhos dos meus pais.
Bom texto.

23 de fevereiro de 2010 às 21:47

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