quinta-feira, 18 de junho de 2009

Jornalistas sem formação: o caminho da derrocada

Nesta quarta feira, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, defendeu a controversa não obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da função. Mendes era o relator do processo e foi aocmpanhado em seu voto pela maioria do integrantes do Supremo. Assim sendo, desde ontem, não mais é obrigatória a posse do diploma para o exercício da função jornalística.

Conforme publicado pela Folha Online "Mendes chegou a comparar a profissão de jornalista com a de cozinheiro. 'Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da culinária. Disso ninguém tem dúvida, o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até à saúde e à vida dos consumidores', disse".


Diante de tal descalabro o incomode-se publica hoje um maniefesto assinado pelo jornalista Rogério Castro e se une aos protestos pela defesa da obrigatoriedade do diploma e por um jornalismo mais profissional, ético e menos mercantilizado. E que a discussão acerca da exigência ou não do diploma possa romper as avaliações debochadas e, até, displicentes que vimos até aqui.


Leiam o texto:


Os demiurgos do STF decidiram cassar a exigência do diploma para o exercício profissional do jornalista. A primeira consideração a ser feita é quanto ao poder – no sentido de estar em condições de proceder tal julgamento – que os juízes dessa Corte – onipotentes da verdade – têm para decretar uma sentença desta. Em primeiro lugar, com qual base substancial – a não ser a do olhar imediatista do senso comum – esta argumentação está sustentada? Segundo eles, a qualificação técnica não é “requisito suficiente” a se exigir uma formação superior, além do que ser esta uma barreira – quase que automática – que interdita a liberdade de expressão. Ainda segundo essa visão unilateral, o arcabouço jurídico que instituiu o conjunto dessas regras se deu no período do governo militar.

O importante a se destacar nessas curtas linhas será suficiente para aniquilar essas interpretações reducionistas e equivocadas a respeito do ofício do jornalista. Como se quer fazer erradamente crer, a não ser para os manuais de redação (de o Globo, Folha, Estadão), inspirados nos padrões jornalísticos importados dos EUA, que em conformidade com este pensamento, pelo viés reducionista de encarar o jornalismo, inspira atitudes como esta, não é o jornalismo um conjunto esquemático, rígido de regras e normas, que assimilado mecanicamente irá encontrar correspondência com a realidade. A qualidade da informação, entendida em sentido transcendente a técnica, mas sem desprezá-la, depende de conhecimento profundo da realidade – objeto de análise do jornalista.

Não se trata de formação, em sentido vago, se trata sim de formação em sentido lato. O mediador cotidiano do público com o mundo dinâmico e cada vez mais complexo – porém não incompreensível e inapreensível – não deve, para o bem de sua função, abdicar-se desta realidade: a da complexa sociedade que é objeto de seu ofício. Isso parece lógico, mas, pela lógica irracionalista que impera na concepção de defesa, não importa a que prazo, da extinção do jornalista, opera-se exatamente o contrário, mesmo que em alguns momentos de modo inconsciente: é preciso, pela especialidade de cada área, divulgar, apresentá-las ao mundo, por ela mesma, de modo cada vez mais “conteudístico” esta parcela correspondente a parcela desta mesma realidade.

Em outras palavras, trata-se de intensificar a fragmentação da realidade, cindir os elos que juntam-na dando formato de unidade, referindo-se ao todo ao qual pertence. Isso, na melhor das hipóteses, pois sabe-se que na maioria dos casos o que vai acontecer é uma banalização – pior do que a que já existe – no exercício diário do jornalismo, julgado, por essa forma de enxergá-lo, de modo cada vez mais vulgar. Além de tudo isso, ao invés de ir na direção de uma formação densa, profunda e real do mundo, essa visão estar por decretar – com autoridade demiurga, porém sem tê-la – a desnecessidade de se ter uma compreensão abrangente da realidade na qual o produtor de notícias irá transitar para – no incessante e árduo ofício diário – relatar com propriedade e observância necessárias os acontecimentos que merecem a estatura da divulgação.

Outro ponto dessa argumentação falsa é quanto ao exercício formal ser inibidor da liberdade de expressão. A liberdade que impera na sociedade em que vivemos – relativa e não absoluta – não é, aliás, melhor dizendo, para todos. Sabe-se – a não ser os demiurgos da Corte – que os inibidores da liberdade de expressão do pensamento e de imprensa não são os jornalistas, que combateram implacavelmente a censura no Brasil no período militar – como, a não ser os plumitivas, continuam a rechaçar a censura velada que se dá a nós e pelos grandes meios de comunicação promovida pelos interesses mercantis. O ciberespaço – esse ambiente, embora não completamente livre, dado o controle dos grandes conglomerados midiáticos, relativamente descentralizado – ainda assim é um bom exemplo disso, dessa tentativa de se burlar a censura imposta pelos meios de comunicação controlados pelas elites econômicas a conteúdos que colidem com esses interesses.

Não são, então, os jornalistas os cerceadores da liberdade, os aniquiladores do direito da sociedade de ser informada, mas sim, como evidenciado, os detentores privados dos meios de comunicação, talvez os maiores interessados nesta lei, que além dos anunciantes, perfilam-se lado a lado dos defensores da atual ordem social, como não podia deixar de ser, harmônica a seus interesses.

Não se trata aqui de uma visão corporativa, mesmo que em alguns momentos possa transparecer, e isso não é (apenas) o mais importante, mas de uma tentativa de se deixar impedir a informalidade profissional, de conseqüências incomensuráveis para a sociedade. O conhecimento parcelar, ou pouco polêmico, não investigativo, não combativo, pouco criativo, é inteiramente compatível com os que pensam ser leis eternas e imutáveis regentes absolutas da forma histórica vigente.

Não pode restam dúvidas aos jornalistas e estudantes de jornalismo que terão que ser eles os deflagradores de uma intensa resistência, acompanhada de uma reflexão profunda acerca do seu papel na sociedade, a fim de buscar o impedimento da desregulamentação da profissão. Para ainda, e inclusive, não termos a indigesta, grosseira e extemporânea comparação, entre jornalistas e cozinheiros, que só mostra o despreparo e a pouca seriedade do trato de uma matéria tão importante que é a formação de opinião da sociedade.

Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2009

Rogério Castro
Jornalista formado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB)
DRT/BA: 2680
Mestrando em Serviço Social/UFAL
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