Uma declaração que nega uma história
Estamos chegando ao fim do governo Lula. Confesso que a expectativa que criei com a ascensão de um operário à presidência da República foi muito grande e, talvez por isso, certa dose de frustração seja inevitável. Talvez seja inevitável também pela relação que ele conseguiu, à época, estabelecer com a minha geração. Lembro-me que em 2002, tínhamos dezesseis anos, eu e minha turma, e fomos em bando tirar o nosso título de eleitor, só para votar no Lula. De certa forma, devo a ele o despertar da minha cidadania.
Ainda não parei para fazer uma avaliação mais detida sobre os seus mandatos, mas, de antemão, uma coisa é inegável: diverti-me em demasia com as declarações do nosso presidente. Talvez, nunca antes na história desse país, um presidente da república tenha impactado tanto com as palavras. Algumas nos distraíram, outras nos alegraram, outras tantas nos enfureceram, outras emocionaram, e a maior parte delas nos divertiu.
Entretanto, suas últimas declarações em relação aos presos políticos de Cuba, são, no mínimo, infelizes. Se quisermos deixar de lado os eufemismos, despropositadas, incoerentes, insensíveis, etc. Fazer comparações futebolísticas sobre todo e qualquer assunto, vá lá, mas comparar presos políticos a prisioneiros comuns é um pouquinho de mais. Disse Lula:
“acredito que a greve de fome não pode ser usada como um pretexto de direitos humanos para libertar as pessoas. Imagine se todos os bandidos presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem a liberdade?”
Convenhamos, comparar assassinos, ladrões, estupradores, a presos políticos que, com razão ou não, não é meu objetivo aqui entrar no mérito da questão sobre o regime cubano, é um disparate como nunca se viu na história desse país. Ainda mais vindo de uma pessoa que vivenciou na pele uma ditadura militar e que se arrota um defensor inexorável da democracia.
Creio que a declaração do nosso presidente atenta não apenas quanto ao legítimo direito dos cidadãos cubanos, que poderiam ser de qualquer outra nacionalidade, isso é o que menos importa, de se incomodarem com o regime do seu país; a declaração do Lula nega a sua própria história, tendo em vista que, houve um tempo em que ele foi líder sindical, que, entre outras coisas, combatia uma ditadura. O que se depreende da sua lógica e que, a mim, não parece coerente, é que há que se considerar ilícita a greve de fome como uma alternativa para se lutar por uma causa e, por outro lado, considerar legítimos o seqüestro, a mentira, a luta armada, como os mais benévolos meios em favor dos direitos humanos.
Sim. Talvez não em pessoa, mas notáveis companheiros do nosso presidente como Jose Dirceu, José Genoíno, entre outros, utilizaram-se desses recursos quando da nossa ditadura e o Lula nunca veio a público dizer que erraram. Ocasião também não faltou, tendo em vista que recentemente o presidente viu, na Comissão de Infra Estrutura do Senado, a sua Ministra Chefe e candidata a sua sucessão, dizer que, entre outras coisas, mentiu e que se orgulha de ter mentido na ditadura. Para os que não se lembram, eis o que disse a ministra Dilma sobre a sua postura na ditadura: “Qualquer pessoa que ousar falar a verdade para os torturadores, entrega os seus iguais. Eu me orgulho muito de ter mentido na tortura", disse Dilma. Na época, a ministra foi aplaudida, ovacionada, celebrada, e ninguém contestou.
Creio que, se o Lula, assim como ele disse, acha que as decisões do governo e da justiça de Cuba têm que ser respeitadas, ele se esquece que na ditadura brasileira por ele combatida, também havia leis e justiça. Havia a Lei de Segurança Nacional, havia os temíveis atos institucionais, etc. Mas, mais do que isso, ele teria que se lembrar que também há que se respeitar os direitos dos cidadãos cubanos de discordarem do regime vigente em seu país, assim como um dia, nós discordamos do nosso. Gosto do Lula, e é por isso que ainda procuro uma justificativa plausível para esse disparate, mas não encontro, nada justifica. O Lula tem todo o direito, enquanto cidadão, de ter suas crenças, suas preferências, suas simpatias, como já demonstrou várias vezes que as tem em relação aos irmãos Castro. Mas, enquanto chefe de governo, tendo em vista que ele esteve em Cuba não por ser Luis Inácio Lula da Silva, mas por ser Presidente da República Federativa do Brasil, ele teria, no mínimo, que ser mais prudente e cuidadoso. Enfim, nesse episódio, embora vivamos nós numa democracia, a atitude mais sensata para o nosso presidente teria sido calar-se.
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